Assim como no Brasil e na região da Serra Gaúcha, as empresas familiares de Portugal representam a maioria dos sistemas empresariais, sendo cruciais para o desenvolvimento social e contribuindo de forma significativa com a economia local. Nesta edição da VOA, compartilhamos os principais dados do relatório Empresas Familiares da Região Norte – Mapeamento, Retratos e Testemunhos, realizado pela Universidade do Minho (UMinho).
Algumas semelhanças interessantes com a região da Serra Gaúcha podem ser percebidas na caracterização das empresas participantes do projeto Roadmap para Empresas Familiares Portuguesas, em especial, o modelo de governança, a participação das mulheres e as questões de sucessão. Coordenado pela professora e investigadora da Universidade do Minho, a PhD. Ana Paula Marques, o projeto é uma iniciativa pioneira, orientado para identificar as empresas familiares e os fatores críticos de sucesso de empresas da região do Norte de Portugal. A pesquisa foi feita em parceria com o Centro Interdisciplinar em Ciências Sociais, Polo UMinho (CICS-UMinho) e Associação Empresarial de Portugal (AEP).
De acordo com a professora, o tecido empresarial português é muito pequeno, formado por “nano empresas”, geralmente marido, mulher e filhos. O número estatístico para caracterizar as grandes empresas é de 1%, tratando-se, portanto, de uma economia muito fragmentada e que, por isso, tem muitas fragilidades. “Elas vivem o dia a dia, com uma gestão de sobrevivência para gerir diariamente tudo. Um ou dois empresários fazem muitas coisas ao mesmo tempo, tem uma particularidade quase doméstica, como o próprio espaço de habitação”, explica.
O projeto cruzou dados estatísticos convencionais econômicos e financeiros, com informações mais aprofundadas como, por exemplo, modelos de governança e sucessão, organização empresarial e perfis dos recursos humanos. O resultado foi um mapeamento das empresas familiares por distrito, o que permitiu a atualização dos dados sobre este setor econômico, bem como o reconhecimento de seu impacto financeiro e de criação de emprego no mercado, junto às entidades governamentais e econômicas.
Quase metade das empresas pesquisadas localizam-se na área metropolitana do Porto, sendo relativamente jovens, com menos de 20 anos de existência. São sobretudo micro e pequenas empresas, constituídas como sociedades por quotas. A área de negócio focaliza-se, em especial, no comércio, na indústria transformadora e nos serviços/consultoria, incluindo o setor de turismo e informática. O capital social das empresas familiares é detido majoritariamente por membros familiares (94,3%), havendo ausência de participações de membros não familiares em mais de 90% dos casos, indiciando um comportamento de reserva, que busca privilegiar sobretudo relações de parentesco consanguíneo na sua estrutura de gestão. Também foi possível constatar que há uma maior permeabilidade da presença de mulheres com laços de parentescos na gerência, fator explicável, em grande parte, pelo papel de proprietária/acionista, ainda que uma proporção significativa mantenha já funções de gestão ou direção.
Quanto à preparação da nova sucessão, há 22% de expectativa de realizar uma mudança na gestão entre os próximos três a cinco anos. Neste caso, a mudança passará pela transferência da propriedade entre familiares, sendo menos provável a abertura do capital social a membros não familiares ou a venda da empresa. Para a maioria das empresas familiares portuguesas, o sucessor da liderança da empresa deve ser procurado naturalmente no seio da família, sendo poucas as que admitem a entrada de gestores/líderes externos à família ou dentro do quadro de colaboradores/trabalhadores da empresa. Segundo Ana Paula Marques, há uma vertente nova de empresas muito profissionalizadas com a segunda geração, com formação acadêmica que trazem para as empresas evolução do ponto de vista da inovação.
O interessante e peculiar em Portugal é que o pai e a mãe permanecem com uma empresa e o filho cria outra, aprofundando ou explorando um segmento do mercado. Essa estratégia é utilizada pelas famílias portuguesas como forma de solucionar os problemas de conflito de gerações e a convivência da gestão no dia a dia. Pode também resultar em uma oportunidade de negócio identificada pela geração de sucessores, em regra filhos ou filhas jovens e qualificados academicamente.
Alinhada a isso, uma das preocupações da pesquisadora é o quanto as empresas familiares portuguesas estão preparadas para a transição digital. Nesse sentido, vários estudos apontam que no contexto da economia global a competência digital é o que vai determinar a continuidade das empresas familiares. Para a coordenadora do projeto, tão importante quanto a sucessão é a capacidade de se adaptarem à economia digital, tema que já vem sendo objeto de novas pesquisas pela equipe da Universidade do Minho.
O relatório Empresas Familiares da Região Norte – Mapeamento, Retratos e Testemunhos apontou que mapear as empresas familiares (EFs) é de importância crucial para Portugal e Europa. “Elas possuem uma tipologia empresarial dominante e contribuem significativamente para o produto nacional bruto e a criação de emprego. Assumem uma importância estratégica pela socialização para a iniciativa, o risco e a capacidade de identificação de potenciais áreas de negócio. São também relevantes para a coesão territorial de qualquer comunidade local pela sua durabilidade e ligação histórica do(a) fundador(a) da mesma”, avalia Ana Paula Marques. Este projeto foi financiado pelo NORTE-02-08R3-FEDER, inserindo-se no eixo prioritário do “Sistema de Apoio às Ações Coletivas – Qualificação”, com o objetivo temático de “Reforçar a competitividade das pequenas e médias empresas”.
Razões que sustentam o estudo
Estima-se que as empresas familiares de Portugal representem de 70% a 80% do total de empresas do país, absorvendo 50% da força de trabalho e contribuindo com 2/3 do PIB. São negócios que apresentam diversos perfis em função de aspectos como dimensão, setores de atividade, antiguidade, mercados de exportação, grau de profissionalização e governo. Além disso, elas potencializam a identificação de novas oportunidades de inovação e transmissão de conhecimento em uma perspectiva intergeracional e de longo prazo. Empresas familiares são portadoras de um “rosto”, de um legado com capacidade de atração e fixação de recursos humanos e desenvolvimento de comunidades locais, em especial em zonas geográficas fora dos grandes centros.
Inovação e qualidade
11,2% possuem núcleo de investigação e desenvolvimento (I&D)
16,3% estão envolvidas num processo de inovação nos últimos três anos
22,5% procederam ao registo de propriedade intelectual
27,4% possuem certificação de qualidade
Fatores de sucesso e críticos
Separação dos interesses da família e os dos negócios;
Existência de um planejamento estratégico a médio e longo prazo;
Preparação e treino do sucessor antes do início efetivo de funções.
Pontos vulneráveis e desafios
Valorização do atendimento ao cliente;
Preços competitivos;
Diversidade de produtos;
Decisões rápidas e de forma flexível;
Marca forte ou presença no mercado.
Principais preocupações
Peso da carga tributária;
Incerteza do ambiente econômico e financeiro;
Retração das vendas;
Redução do lucro.
Free Video Downloader