Ele faz parte da segunda geração de sua família que trabalha no parque fabril de farinhas, massas, biscoitos e misturas de bolos da Orquídea, em Caxias do Sul. A origem do que viria a se tornar uma marca consolidada no mercado de alimentos vem de um pequeno moinho de trigo fundado pelos pais, no interior de Bento Gonçalves. Um dos responsáveis pela modernização da parte industrial, o diretor-superintendente da Tondo S/A – detentora da marca – traz à edição de estreia da revista VOA seus aprendizados em relação ao empreendedorismo do pai, falecido há cinco anos, e da mãe, que também ilustra as páginas a seguir. Ao priorizarem a educação dos sucessores, inclusive na gestão financeira, os fundadores atuaram ao lado dos filhos para perpetuar este legado que já completou 66 anos e que conta com a terceira geração para fortalecer a cultura que permeia a empresa: a de se manter familiar.
Gabriela Marcon
gabi.marcon@idefamiliar.com.br
A valorização do trabalho é um dos traços mais marcantes das famílias de origem italiana que residem na Serra Gaúcha. Quando se trata de uma família que tem uma empresa é necessário ter muito diálogo e alinhamento emocional entre pais e filhos para garantir a longevidade do negócio e a harmonia entre as pessoas, ainda que haja conflitos ao longo do caminho. “Todo filho quer trabalhar e ter o reconhecimento dos pais. É como se fosse uma forma de afeto. Isso influencia bastante o ciclo familiar. No nosso caso, o trabalho implicava que cada filho tivesse o seu negócio, onde pudesse mostrar seu potencial e sua liderança”, observa Rogério Joaquim Tondo, diretor-superintendente da Tondo S/A, empresa que se mantém familiar desde sua fundação em 1953.
No meio de tantas memórias, até hoje ele lembra do pai lhe ensinando: “Precisa cheirar o trigo para saber se ele é bom ou ruim”. Filho mais novo dentre cinco irmãos, Rogério, por vontade própria, decidiu trabalhar na indústria de alimentos da marca Orquídea, o carro-chefe dos negócios criados pelo pai ao longo de décadas. Além da vocação para empreender, a educação sempre foi prioridade sob o ponto de vista do pai, o fundador Dalvino Aldo Tondo (in memorian) e da mãe, Thereza Verona Tondo, 88 anos, presidente da Tondo S/A.
A índole empreendedora da família vem de longe. O primeiro negócio do pai de Rogério foi um comércio de secos e molhados em sociedade com tios e avós paternos, que logo incorporaram ao pequeno armazém a compra e venda de cereais, em especial o trigo. Segundo o empresário, os contatos que o pai fez à época lhe deram suporte para ingressar no ramo moageiro através da primeira compra de um moinho, no então distrito de Pinto Bandeira, hoje município distante 20km de Bento Gonçalves. “Naquela época havia o registro de cotas, que estabelecia que os moinhos só podiam moer uma determinada quantidade de trigo distribuída pelo governo, sempre de acordo com a capacidade de moagem. Então até o governo Collor (Fernando Collor de Mello) eliminar essas cotas não havia muita possibilidade de crescimento”, conta.
A vontade de crescer faz parte do legado deixado pelo fundador. Ainda no período das cotas, Dalvino comprava novos registros para aumentar a capacidade de moagem e, com isso, expandir os negócios. À procura de uma contadora para a casa comercial e que lhe ajudasse a administrar a firma, encontrou na jovem Thereza a companheira ideal, com quem casou-se em 1953, mesmo ano de fundação da empresa. “Ele já prestava atenção no conhecimento que a pessoa tinha, de que quanto mais educação, mais chances de crescer”, relata Rogério, que destaca o papel de sua mãe (uma das primeiras profissionais de Contabilidade de Caxias do Sul e diretora financeira da Tondo S/A durante mais de 50 anos) na educação financeira dos filhos.
De acordo com Rogério, a mãe sempre cuidou da parte financeira da empresa e da família, apoiando investimentos, porém com cautela, “nunca dando o passo maior do que a perna”. Contudo, a ousadia fazia parte dos fundadores. Prova disso foi a construção, junto com os tios, de uma filial do moinho em Porto Alegre, um sonho concretizado em 1962. Também era o ano de nascimento de Rogério, dez anos depois que o pai havia iniciado sua bem-sucedida carreira no ramo moageiro. “O pensamento era de que uma empresa familiar servia de local de trabalho para todos os filhos. Só que uma empresa não cresce na mesma velocidade para abrigar todos os grupos familiares. As confusões entre meu pai e meus tios começaram, resultando na ruptura da sociedade do moinho instalado na capital”, afirma.
Por volta de 1966, os irmãos mais velhos de Rogério, que frequentavam a escola em Pinto Bandeira, precisavam de uma educação melhor. Foi quando a família decidiu mudar-se para Caxias do Sul. O armazém de secos e molhados foi vendido e o pai comprou uma padaria para a esposa cuidar que, dois anos depois, também seria negociada para replicar o capital em um negócio maior: uma fábrica de massas e biscoitos, junto com um panifício. Nesse período, o pai também adquiriu uma unidade moageira em Flores da Cunha.
“Minha mãe já era contadora e, assim como meu pai, tinha uma inquietude por empreender. Então eles recomeçaram os negócios em Caxias, sempre comprando e vendendo empresas”, diz Rogério. Nos anos 60, Dalvino Tondo também começou a investir no setor da construção civil, comprovando seu feeling para as operações comerciais ao diversificar os negócios. “A geração dele tinha o hábito de criar novos negócios não por ser estratégico, mas para prover os filhos. Só que nem sempre tudo dá certo nesse sentido. Os pais serem muito permissivos com os filhos também atrapalha. Dizer não é muito importante, pois ajuda a crescer”, avalia o diretor-superintendente.
O PROCESSO DE SUCESSÃO
Não faltaram convites dos pais para os filhos trabalharem na empresa principal da família. No entanto, jamais houve imposição. Embora nem todos trabalhassem diretamente na indústria da Orquídea, os irmãos de Rogério sempre estiveram próximos aos negócios criados pelo pai, administrando vários empreendimentos. “Meu pai tinha ideias, abria empresas em outros ramos e passava a operação para os filhos, porque era no moinho que ele havia extrapolado sua veia empreendedora. Era onde ele se sentia mais seguro, dominando e controlando tudo”, acrescenta.
A trajetória de Rogério na Tondo S/A iniciou aos 12 anos de idade como office boy, no turno contrário ao da escola. Ao mesmo tempo em que trabalhava, havia a preocupação constante dos pais com os estudos. Ele reforça que nunca houve limites no orçamento para a educação. Estudar e se qualificar dependia da iniciativa de cada um dos filhos, que contavam com o apoio dos pais. “Sempre gostei de aprender e de entender sobre o mercado. Quando entrei para o moinho não foi para substituir meu pai. Tive um período de imersão na empresa, conhecendo toda parte industrial, porque você não consegue vender nem estruturar bem um negócio se não tem conhecimento de todo processo tecnológico daquilo que produz”, ensina.
Com o perfil adequado para assumir a gestão da empresa e fundamentos econômicos para administrar o negócio, a consolidação da entrada da segunda geração da família veio em 1995, quando Rogério assumiu as áreas comercial e de desenvolvimento. Com o início de um novo ciclo, novos desafios e oportunidades foram surgindo. Formado em Administração e Marketing e com especializações em técnica de moagem em Fortaleza e na França (onde ficou nove meses fazendo estágio em uma das melhores escolas do mundo), Rogério foi responsável por expandir a atuação da empresa, ingressando no concorrido mercado de São Paulo e de outros estados focando nos supermercados, nas padarias e nos armazéns. O fundador, que nunca se afastou da empresa, estava lá, observando tudo, acompanhando a evolução do negócio, assistindo às transformações da fábrica que construiu e aconselhando o filho e sua filha Eliane Tondo Pereira, que esteve presente na fase de transição da primeira para a segunda geração.
Quanto mais conhecimento os filhos adquiriam, mais aumentava a confiança do pai na gestão deles. Numa transição discreta de liderança, o sucessor tocou a operação da indústria por muitos anos sem ter o cargo de diretor-superintendente formalizado. “Uma coisa é respeitar a hierarquia, outra é fazer acontecer. O papel que exerço é o de trabalhar na empresa e ser um líder, embora o cargo precisasse ser definido para me dar uma certa formalidade. Mas isso serve para qualquer coisa na vida. As pessoas têm que se articular. Muitas vezes, elas disputam um cargo. E cargo não se disputa, se conquista”.
A TERCEIRA GERAÇÃO, O MAIOR CAPITAL
A família faz parte da cultura que permeia a Tondo S/A e, conforme Rogério, a terceira geração é o maior ativo da empresa. Para ingressar nela, os netos do fundador devem seguir três regras: passar pela experiência de morar no exterior, cursar uma faculdade compatível com o ramo do negócio e ter trabalhado fora da empresa da família.
Há 10 anos, o tio conversou com todos os sobrinhos que, à época, estavam com idades entre 20 e 25 anos e questionou-os: “Perguntei qual era a pretensão deles em relação ao negócio, incentivando-os a estudar, a seguirem suas escolhas profissionais e serem felizes. E estava acordado que investiríamos na formação dos herdeiros que trabalhassem conosco”. Como a empresa vai estar daqui a 10 anos é uma provocação que Rogério faz aos dois sobrinhos que optaram por trabalhar na fábrica da Orquídea. “Quero plantar sementes com eles, pois o DNA desta terceira geração já está começando a se misturar com o nosso. Eles devem sentir orgulho da empresa, sendo ouvidos e participando de decisões. É uma questão de pertencimento”, complementa.
Hoje, o diretor-superintendente se considera o motor de ideias da empresa e reconhece que sem o apoio que teve das três irmãs mais velhas não teria condições de gerir o negócio. Ele acredita, ainda, que se a produção girasse em torno apenas do moinho de trigo e não houvesse a terceira geração atuando na empresa, ela seria menos dinâmica e, provavelmente, despertaria menos interesse nele. “Quando não há uma transição tranquila entre uma geração e outra ou não tem para quem transmitir um cargo, o risco da empresa começar a patinar e perder potência para aproveitar as oportunidades é muito grande. O fato de já termos a terceira geração é uma coisa muito valiosa para nós”.
Igualmente valioso é este legado de aprendizados que o sucessor teve com o pai, incluindo as características de ser curioso e investigativo. “Meu pai acordava cedo, sempre ativo e contente. Quando a Rota do Sol estava sendo construída, ele ia até lá, descia do carro para conversar com os moradores, de olho nos empreendimentos que poderiam surgir na estrada. Era um pouco tímido em grandes grupos, mas individualmente se comunicava bem com as pessoas, o que é muito importante para desenvolver um mercado”.
SOBRE A TONDO S/A
Com 970 colaboradores, a Tondo S/A possui uma das maiores capacidades de moagem de trigo da região Sul do Brasil: 36 mil toneladas por mês. Com um moderno pastifício, consolidou a marca de alimentos Orquídea entre o varejo e o consumidor final, produzindo 6.600 toneladas mensais de massa. A fábrica de biscoitos produz 1.800 toneladas por mês, entre biscoitos doces e salgados, wafers, recheados, sortidos e cookies. Tudo funciona numa estrutura de mais de 33 mil metros quadrados, incluindo as unidades fabris de Bento Gonçalves e Caxias do Sul e os centros de distribuição em Garibaldi, Passo Fundo e Porto Alegre (RS), Florianópolis e Itajaí (SC) e Curitiba (PR). Em 1998, a Tondo S/A foi o primeiro moinho do Rio Grande do Sul e o terceiro do Brasil a receber a certificação ISO 9002. A empresa também é a mantenedora da Fundação Assistencial Joaquim Tondo, que investe na educação dos funcionários, do Ensino Fundamental a Graduação.
Anônimo
Anônimo