Consultor e professor da área de Governança Corporativa e Familiar da Fundação Dom Cabral (FDC), Volnei Garcia destaca a importância da governança como ferramenta de estruturação das organizações – principalmente no contexto das empresas familiares. São as práticas de governança, segundo Garcia, que garantem o estabelecimento dos acordos societários que sustentam os processos de sucessão.
Um professor com quem aprendi muito costumava falar uma frase ao mesmo tempo engraçada e verdadeira: “Empresa é bicho morredor.” De fato, empresas, em média, têm vida não muito longa. Raras são as que transcendem a geração de seus fundadores, independentemente do porte a que tenham chegado. Se tomarmos as lições da biologia ensinadas por Darwin, na qual aprendemos que sobrevivem as espécies que melhor se adaptam, a conclusão é de que as empresas têm dificuldades em se adaptar – por isso morrem. E as empresas precisam se adaptar ao ambiente externo para se manterem competitivas, mas também ao ambiente mais próximo, das relações societárias, especialmente se submetidas a mudanças na estrutura de poder.
Para se manterem competitivas no ambiente externo as empresas precisam de liderança, capacidade de atualizar a sua proposta de valor, boa gestão – e, especialmente, de bons controles. Se considerarmos que uma empresa existe para gerar valor para seus vários stakeholders, especialmente seus sócios ou acionistas, o zelo maior da gestão será no sentido de preservar os interesses destes.
Acontece que as empresas crescem e precisam ampliar suas estruturas, de certa forma distanciando seus “donos” de tudo o que acontece no seu dia a dia e, em consequência da sucessão patrimonial com a entrada de novos sócios (muitos deles não atuantes), precisam de novas ferramentas que deem a eles instrumentos de vigilância e exercício de poder capazes de manter o alinhamento não somente em relação aos seus objetivos, mas também em relação às várias exigências externas, incluindo as de entidades reguladoras, de fornecedores de capital e outras. Ou seja: precisam de instrumentos que garantam aos seus controladores, especialmente, que estão sob governo e orientadas na direção correta. No mundo corporativo estes instrumentos foram agrupados sob o guarda-chuva do que se chama governança.
Cabe aqui um pequeno parêntese em relação às empresas familiares, onde é comum que os papéis de proprietários e de gestores sejam exercidos pelas mesmas pessoas ou por seus familiares – que se veem como donos e não conseguem diferenciar esses papéis. O protecionismo dos pais ou outros parentes, a confusão de papéis normalmente sustentada por questões emocionais não bem resolvidas no ambiente familiar e a falta de normas claras de atuação caracterizam um cenário em que o real objetivo do negócio – gerar valor especialmente para os detentores do capital – fica em segundo plano. Nesses casos, o exercício do poder saudável deixa de existir e as atitudes e ações já não mais atendem aos objetivos organizacionais.
A governança surge, então, como ferramenta de estruturação, definindo instâncias de poder, estabelecendo princípios e normas de atuação, criando ferramentas de controle. O ponto de partida se dá pela definição por parte dos sócios, notadamente dos controladores, do regramento para o exercício do poder envolvendo principalmente os seguintes aspectos: qual será a estrutura de gestão e como serão eleitos os administradores nas diferentes instâncias (conselho, diretoria, etc); como será exercido o direito de voto (compromissos mútuos e restrições previamente combinadas); e como será feita a distribuição dos resultados. Normalmente um acordo societário define estas regras. Para garantir longevidade a essas regras, os sócios normalmente estabelecem mecanismos que restringem transações com ações, a não ser sob condições preestabelecidas, dando estabilidade ao que se chama bloco de controle e, portanto, garantindo continuidade à gestão.
Especialmente no caso das empresas familiares, o acordo societário é o instrumento base da estabilidade. É ele que regrará as questões acima, além de outras, como neste caso, por exemplo, as políticas de entrada e saída de familiares na gestão. É ele que define a estrutura de governo da empresa, a quem caberá decidir sobre os rumos do negócio, monitorando o desempenho dos gestores, incluindo os que forem membros da família e adotando as medidas corretivas necessárias. Sem o claro regramento dessas questões, abre-se margem para conflitos, que em geral servem para camuflar o mau desempenho, prejudicando não somente os resultados, mas também o ambiente interno como um todo.
Por fim, a sucessão – que em geral é o tema mais falado e que mais preocupa as empresas familiares – tende a ser naturalmente equacionada pelo sistema de governança, que estará sustentado pelo acordo societário. Organizada de forma adequada, a governança atribuirá normalmente a um conselho a decisão sobre a sucessão. Um conselho maduro, especialmente se atuante junto a proprietários conscientes, conduzirá com sabedoria o processo sucessório, acompanhando a preparação dos potenciais sucessores, escolhendo de forma a proteger os acionistas e dando suporte ao escolhido.
Contribuição do autor para o Hana Witt | Curadoria do Conhecimento para Formação de Executivos.