Administrando a liquidez em tempos de crise: as contribuições do Modelo Fleuriet

É possível proteger uma empresa contra um cenário adverso como, por exemplo, uma grave crise econômica? Ou toda empresa está ligada ao contexto em que está inserida e, em um cenário adverso, só é possível conter os efeitos negativos? Essas perguntas são muito frequentes entre empresários e executivos em tempos de crise. Para os especialistas, não há dúvidas: em geral as empresas estão ligadas aos contextos em que estão inseridas – e sofrem os seus efeitos positivos ou negativos. No entanto, em um cenário adverso, existe a possibilidade de tentar minimizar os efeitos negativos.

José Luiz Viana, consultor e professor de Finanças da FDC, afirma que as empresas precisam focar em metas e objetivos bem delineados – sejam eles estratégicos, operacionais ou táticos – para manter a saúde econômica e financeira. Segundo ele, é primordial o envolvimento dos gestores de todas as áreas para que se tenha sucesso na administração financeira, já que todas as decisões impactam diretamente a estrutura de liquidez.

Para esclarecer como é possível fazer a gestão da liquidez, Viana traz uma contribuição importante ao site Curadoria do Conhecimento apresentando de forma objetiva o Modelo Dinâmico de Análise Financeira, mais conhecido como Modelo Fleuriet; uma forma inteligente de administrar uma empresa com foco na sustentabilidade financeira e econômica de curto e longo prazo.

Concebido pelos professores Michel Fleuriet, George Blanc e Haroldo Vinagre Brasil entre 1975 e 1978, o modelo provocou uma mudança radical quanto à análise da gestão da liquidez – antes baseada em conceitos clássicos como Liquidez Corrente, Geral e Seca, que forneciam apenas uma situação de solvência e não de liquidez, ou seja, não apontavam a real capacidade de honrar os compromissos da empresa no curto prazo.

Hoje o Modelo Fleuriet é adotado por empresas de pequeno, médio e grande porte com o objetivo de identificar a melhor gestão de seus recursos patrimoniais e assim utilizá-los para alcançar o maior grau de liquidez possível. A metodologia tem como alicerces as seguintes variáveis:
– NCG: Necessidade de Capital de Giro
– CG: Capital de Giro
– ST: Saldo de Tesouraria

Essas variáveis são obtidas por meio da reclassificação do Balanço Patrimonial Tradicional e Legal em um Balanço Gerencial de acordo com o dinamismo que rege o sistema empresa. Para a obtenção das variáveis, é possível reclassificar as contas do Ativo Circulante e Passivo Circulante (curto prazo) em contas Cíclicas e Erráticas. As contas do Ativo e Passivo Não Circulantes e Patrimônio Líquido compõem os investimentos e financiamentos de longo prazo. As variáveis extraídas desta reclassificação são:

NCG: CONTAS DO ATIVO CÍCLICO ( – ) CONTAS DO PASSIVO CÍCLICO
Ativo Cíclico: valores aplicados; investidos na operação/atividade operacional da empresa como clientes, estoques, impostos a recuperar e adiantamentos a fornecedores.
Passivo Cíclico: valores que refletem naturalmente o financiamento operacional da empresa como fornecedores, impostos operacionais a pagar, salários a pagar, obrigações sociais a pagar e adiantamentos de clientes.

CG: FONTES DE LONGO PRAZO|PASSIVO NÃO CIRCULANTE + PATRIMÔNIO LÍQUIDO ( – ) ATIVO NÃO CIRCULANTE
Passivo Não Circulante: normalmente a maior conta deste grande grupo é a de financiamentos a longo prazo.
Patrimônio Líquido:
capital social, reservas de lucros, etc.
Ativo Não Circulante:
imobilizado líquido, investimentos, realizável a longo prazo, etc. 

ST: ATIVO ERRÁTICO ( – ) PASSIVO ERRÁTICO
Ativo Errático: caixa, bancos conta movimento e aplicações financeiras.
Passivo Errático:
empréstimos de curto prazo, dividendos e demais contas que não estão ligadas à atividade operacional da empresa. 

Outro elemento essencial ao Modelo Fleuriet é o chamado Ciclo Financeiro das contas operacionais, que é equivalente à NCG com relação aos seus prazos.

Reprodução

Ciclo Financeiro das contas operacionais: equivalente à NCG com relação aos prazos

Para facilitar o entendimento, Viana sugere algumas ações e conceitos que devem ser seguidos com rigor pelos gestores das áreas que afetam a liquidez das empresas:

1) SUPRIMENTOS
Evitar compras à vista. Por melhor que seja o desconto, elas podem prejudicar significativamente o Saldo de Tesouraria (ST). A análise do impacto na lucratividade e no financeiro deverá ser efetuada antes de acolher a proposta de desconto. Além disso, deve-se alongar o prazo de fornecedores o máximo possível de forma a utilizar da melhor maneira este tipo de financiamento operacional, retardando o desembolso de caixa (vale observar que nem sempre é possível efetuar o alongamento de prazos devido a algum aspecto particular de dependência de um fornecedor específico). Estar atento ao volume do estoque é outra dica importante, pois ele representa os investimentos que estão parados na empresa, impactando diretamente o caixa.

2) LOGÍSTICA E PROCESSOS DE PRODUÇÃO
A logística de recebimento de matérias-primas e insumos deverá ser acompanhada com rigor, buscando de forma contínua a melhoria dos processos produtivos e gerando maior agilidade à venda.

3) COMERCIAL
Evitar negociações com o objetivo de alongar o prazo de recebimento de clientes. Aqui vale também a observação de que nem sempre se consegue a redução de prazos de recebimento devido à dependência de clientes específicos.

4) ADMINISTRATIVO
A área de crédito e cobrança deverá estar atenta aos créditos concedidos a clientes e à inadimplência, procurando reduzi-la ao máximo.

5) RECURSOS HUMANOS
Antes de levar proposta de admissão e aumentos salariais, analisar os impactos financeiros e de lucratividade da empresa.

Quanto à gestão das contas de longo prazo que compõem a variável CDG, Viana apresenta algumas sugestões que podem melhorar o perfil de risco e liquidez da empresa:

1) Alongar o perfil da dívida de curto para longo prazo e/ou captar recursos de longo prazo com custos adequados à empresa;
2) Aporte de capital por parte dos acionistas observando o custo de capital dos mesmos e não afetando de forma significativa a geração de valor para o acionista;
3) Desinvestimentos de ativos fixos que não prejudiquem as atividades operacionais;
4) Buscar o atingimento da meta de lucratividade procurando o crescimento sustentável (lucros retidos).

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