Pesquisadores abordam segurança no trabalho pela perspectiva da Psicologia

A preocupação com a segurança no trabalho no contexto das organizações é o tema da tese de Doutorado da professora da UCS, Magda Madalozzo, defendida no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e orientada pelo professor José Carlos Zanelli. A pesquisa acadêmica rendeu frutos e deu origem ao livro Segurança no Trabalho: A Construção Cultural dos Acidentes e Catástrofes no Cotidiano das Organizações – Uma Perspectiva da Psicologia. No resumo abaixo, escrito pelos autores, é possível saber mais sobre o estudo realizado.

 O livro foi produzido para fornecer subsídios para o fortalecimento de culturas de segurança; para auxiliar a identificar, compreender e intervir em níveis que estão além do manifesto no cotidiano organizacional. Ao longo do texto são descritas as etapas a serem cumpridas na implementação de ações que fortaleçam as culturas de segurança nos contextos de trabalho. Essas etapas são alicerçadas em dois momentos: inicialmente, em um processo de identificação de pressupostos da cultura organizacional a partir do modelo proposto por Schein para verificar se podem dar sustentação a culturas de segurança (ao que Guldenmund denomina de pontos de ancoragem) e, posteriormente, na verificação de quatro fatores núcleo de culturas de segurança.

FATORES NÚCLEO DE CULTURAS DE SEGURANÇA
1. Preocupação e compromisso com a segurança: abrange a preocupação dos gestores de todos os níveis e as pressões inerentes ao trabalho;
2. Responsabilidade pessoal para a segurança: envolve responsabilização, comportamento de risco e relatórios de incidentes;
3. Suporte aos pares: abrange os cuidados com os outros e o feedback respeitoso;
4. Sistema de gestão de segurança: engloba ações de comunicação, treinamento, disciplina, recompensas e reconhecimento referentes à segurança. 

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Pidgeon e O’Leary propõem um quinto fator núcleo para cultura de segurança

Um quinto fator, proposto por Pidgeon & O’Leary, foi incluído na pesquisa como mais uma etapa: é a reflexão contínua sobre as práticas de segurança. Em outras palavras, a aprendizagem organizacional contínua sobre os riscos e os perigos.

Os conteúdos desenvolvidos no livro transparecem com maior clareza a relação entre cultura organizacional e cultura de segurança, a fim de compreender suas influências no comportamento dos indivíduos e grupos. A cultura organizacional molda comportamentos, o que nos remete à pergunta: que mensagens ela transmite aos seus membros no que se refere a comportamentos de segurança?

Como postulam Schein e Hudson, a crença é um fator crucial na determinação do como e do porquê do comportamento das pessoas. É exatamente no modo como as coisas são feitas na organização que podem estar ocultas vulnerabilidades com prováveis consequências nefastas. Como referem Pidgeon& O’Leary, falhas coletivas na inteligência organizacional impedem o reconhecimento de sistemas que desenvolvem processos latentes de incubação de erros, geralmente fundamentados em eventos que estão em desacordo com o que é culturalmente aceito como correto. É como se determinadas crenças e valores enraizados coletivamente funcionassem como uma névoa encobrindo evidências de riscos, o que gera vulnerabilidades. Como acrescenta Schein, se algo parece contrário àquilo que é aceito como maneira correta de pensar, sentir e agir para aquele grupo, então, é rejeitado ou simplesmente não é percebido.

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Estudo sobre o desastre com o Columbia identificou uma série de decisões erradas que refletiam problemas da cultura organizacional da NASA

É nesse funcionamento que se perpetuam valores e crenças que fortalecem culturas de negação de risco, que Vaughan bem identificou no acidente com o ônibus espacial Challenger, em 1986, e Kauffman no desastre com o ônibus espacial Columbia, em 2003. Ao analisar os inquéritos os pesquisadores identificaram dezenas de fatos ocorridos antes dos acidentes e mapearam uma sequência de decisões erradas que refletiam problemas graves – e de longa data – na cultura organizacional da NASA, enfraquecendo sua imagem de confiabilidade.

Desde o acidente na usina nuclear em Chernobyl (1986) os estudos sobre cultura de segurança vêm se multiplicando. A maior parte deles, porém, desenvolve análises quantitativas de clima e cultura de segurança por meio de questionários ou instrumentos de medida, avaliando com maior frequência percepções e atitudes do que valores e crenças ligados a esses construtos. Em Segurança no Trabalho: A Construção Cultural dos Acidentes e Catástrofes no Cotidiano das Organizações – Uma Perspectiva da Psicologia é apresentada uma perspectiva qualitativa de análise da cultura de segurança a partir de valores e crenças que fundamentam culturas organizacionais, a fim de verificar possíveis pontos de ancoragem (Guldenmund) para a sua sustentação.

O livro parte do pressuposto de que culturas de segurança não existem por si mesmas, num vácuo do cotidiano; para serem fortalecidas é necessário reconhecer que estão inseridas em uma cultura organizacional que tanto pode lhe dar sustentação como extinguir qualquer esforço nessa direção. 

Para se ter uma ideia da importância do tema, basta recordar as sequelas deixadas pelo incêndio na Boate Kiss, em Santa Maria, em 2013, ocorrido em consequência de uma série de eventos e processos de incubação de erros que, ao que tudo indica, acumulados e repetidos há anos. E continuam a acontecer em um contexto de funcionamento social de negação de riscos. Quantos outros motivos e evidências como a tragédia da Boate Kiss serão necessários para justificar ações e estudos que explicitem, questionem e trabalhem as crenças que sustentam modos doentios de agir social, político e econômico?  

Contribuição dos autores para o Hana Witt | Curadoria do Conhecimento para Formação de Executivos.

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