Se você não empreende em família, com certeza conhece alguém que o faz, pois a modalidade é uma das mais tradicionais do empreendedorismo. Em 2016, uma pesquisa do Sebrae mapeando o tema no Brasil entrevistou quase 7 mil pequenos empresários e aferiu que quase 1 em cada 4 deles têm algum familiar como sócio.
Essa configuração tem suas peculiaridades, tanto benéficas quanto potencialmente negativas para a empresa. Empreender com um ente próximo em geral inspira maior confiança, flexibilidade e parceria. Em contrapartida, os conflitos pessoais podem afetar o desempenho profissional e vice-versa. Por isso, todo cuidado é pouco e estabelecer regras é fundamental na gestão de sua empresa familiar.
O que são empresas familiares?
Por incrível que pareça, não há uma definição única sobre o que são empresas familiares, pois elas podem ter muitas diferenças entre si. Cabem nessa classificação tanto o negócio criado por você em parceria com um familiar, como a empresa comandada pelo neto do fundador ou mesmo uma empresa com membros da família empregados em posições que não de sociedade. E o porte também é amplo, incluindo desde microempreendimentos até as maiores empresas de um país. Apesar disso, muitos dos desafios são os mesmos, não importando o tamanho do negócio.
“Se olharmos para a história, vemos que o empreendedorismo familiar começa majoritariamente por necessidade. É o imigrante que chega e precisa empreender para trabalhar, é quem foge da seca, da guerra, de um conflito político. O negócio usa a mão de obra que está ao seu redor, que é a da família, e que tem como vantagens os valores em comum e o mesmo desejo de crescimento”, detalha Carlos Mendonça, sócio da PwC e líder em Empresas Familiares. Ele ressalta que as mesmas questões que fortalecem as empresas familiares também podem enfraquecê-las. A diferença entre os dois polos é como se dá a gestão (se o fundador centraliza as funções nele ou se é mais democrático e divide funções e tarefas) e como se lida com os conflitos que inevitavelmente aparecem – e no caso das empresas familiares, eles podem vir tanto do âmbito pessoal como do profissional.
“Nas empresas familiares existe um comprometimento e uma noção de legado muito maior do que em outras empresas, o que gera um envolvimento das pessoas, além do orgulho de estar associado ao negócio. Ao mesmo tempo, esse mesmo legado e a tradição podem frear a inovação ou as mudanças necessárias na empresa para que ela se adapte ao mercado. É um grande paradoxo”, afirma Mendonça.
Quais as vantagens de empreender em família?
O lado bom de empreender com membros da família é bem intuitivo: são pessoas com os mesmos valores que você, há maior flexibilidade de horário e vocês já possuem uma relação de afeto. Para as mulheres, esses fatores podem ser ainda mais importantes, como atestou a pesquisa “A mulher na empresa familiar”, realizada pelo Instituto de Desenvolvimento da Empresa Familiar (IDEF) com empresas da serra gaúcha. “Para as filhas que assumem o negócio dos pais, esses fatores são muito importantes, especialmente no que toca o planejamento familiar. A flexibilidade dos horários e o fato da empresa ser da família são fatores que contam muito.
A família tende a dar suporte e compreender melhor nos casos de ausência por motivo de maternidade, por exemplo”, explica Hana Witt, uma das realizadoras da pesquisa e especialista em Governança Familiar.
Outra vantagem apontada pelas mulheres ouvidas pela pesquisa (em sua maioria filhas dos fundadores das empresas) é a maior liberdade para inovar e fazer crescer o negócio da família. Isso porque, como explica Hana, muitas delas já assumem em posições de liderança e estão alinhadas com o negócio desde jovens. Mas o fato de serem sucessoras traz uma alta carga de cobrança e responsabilidades extra.
A jornalista e educadora Samira Almeida empreende com o marido desde 2014. Juntos, eles criaram a Storymax, uma publicadora de apps de leitura e literatura para crianças e jovens. Segundo a definição da empreendedora, é uma parceria em todos os aspectos da vida, um modelo que funciona muito bem para o casal. Eles vêm de áreas profissionais complementares (ela jornalista, ele designer gráfico) e com interesses em comum. Com a chegada dos tablets no Brasil, enxergaram um suporte de publicações e começaram a investir nisso, embora ainda de maneira tímida e conciliando com outros trabalhos. “Foi quando eu fiz uma entrevista com uma empresária que também tem o marido como sócio. Perguntei como era, já que vinha pensando naquilo. Ela respondeu que, ao casar, decidiu que eles iam dividir tudo na vida e que se pudessem trabalhar juntos pelo mesmo objetivo talvez conquistassem mais coisas do que se trabalhassem separadamente. Nunca esqueci aquela resposta”, relembra Samira, que fez disso o mote para a parceria do casal.
“A gente se gosta e se dá bem, temos formações complementares. Por que não?”. A sociedade, garante ela, não atrapalhou a relação dos dois, mas exigiu reflexão e iniciativas que garantissem que os momentos de sócios e marido/mulher fossem distintos. “Trabalhamos por muito tempo dentro de casa e essa separação era menos nítida, mas desde que passamos a ter um escritório diferenciamos melhor os momentos. Não chego em casa com meu sócio, mas com meu marido. Também criamos uma regra de ter sempre um momento do mês que é 100% nosso como casal, para estar junto e cuidar um do outro, sem falar de trabalho”, explica Samira.
Estabelecer regras e cuidados foram fundamentais para os fundadores da StoryMax prosperarem em ambas as esferas. E é a maior recomendação de Samira para quem quer trilhar os mesmos passos. “Os lados, não importa se são um casal, primos ou cunhados, precisam saber o porquê de estarem juntos. Os propósitos podem ser diferentes, mas é preciso ter clareza do porquê se está ali, isso facilita quando há qualquer atrito. Também recomendo que fique claro o papel de cada um na empresa e, assim que possível, a porcentagem dos sócios seja definida em contrato. Ainda no início, é importante que se racionalize e projete o futuro, caso o negócio não dê certo. E é claro, é preciso estar feliz e ter orgulho do que você está fazendo. Tem que valer a pena para o bolso e para o coração”, finaliza.
Os cuidados ao empreender em família
Não deixar o pessoal afetar o profissional (e vice-versa) é uma tarefa dificílima, especialmente se a empresa envolve muitos membros da família. Esse talvez seja o principal desafio dos negócios familiares. Conflitos são inevitáveis, mas neste caso podem afetar duas esferas de sua vida. Por isso vale a pena investir em uma boa governança (práticas de gestão que preservam os valores institucionais e os membros da empresa), em estabelecer regras claras e a posição de cada membro, em precaver-se para conflitos futuros, que podem aparecer das mais diversas maneiras: filhos ou outros parentes que querem trabalhar na empresa, sucessão após aposentadoria ou morte do fundador, disputa de poder, divórcio, etc.
“Os problemas são similares e até previsíveis a depender do estágio da empresa, mas as soluções variam de família para família, pois cada uma tem sua dinâmica”, diz Carlos Mendonça. O especialista afirma que quaisquer que sejam as regras, elas precisam ser estabelecidas antes de se tornarem necessárias. Por exemplo, você já deve acordar de antemão qual a regra para empregar um familiar, quais filhos ou membros da próxima geração vão assumir quais funções, quem toca o negócio em caso de algum acidente e outras questões. “É um grande erro achar que essas regras não se aplicam à sua família e que com você vai ser diferente. Empreender muitas vezes significa tomar decisões duras e é bom que elas já sejam tomadas enquanto é tempo, ou a própria sobrevivência da empresa está em risco. A maior dica é estar sempre um passo à frente”, finaliza ele.
Texto originalmente publicado no site Itaú Mulher Empreendedora