Escola contribui com sucessão nas famílias agrícolas da Serra

Por meio de projeto pedagógico focado nas propriedades rurais, a Escola Família Agrícola da Serra Gaúcha (Efaserra), incentiva alunos a criarem soluções de fomento à agricultura, dando continuidade aos agronegócios familiares e valorizando o legado de seus antepassados

A sucessão é um dilema que preocupa as famílias da cidade e também da zona rural. Entretanto, a pesquisa “A Mulher na Empresa Familiar”, realizada pelo Instituto de Desenvolvimento da Empresa Familiar (IDEF), com mães de alunos da Escola Família Agrícola da Serra Gaúcha (Efaserra), entre os meses de fevereiro e abril deste ano, mostrou resultados surpreendentes, apontando, ali, uma tendência que vai na contramão da maioria das zonas rurais. “Convidamos nove mulheres que moram e trabalham em propriedades rurais da região, para participar de um grupo focal respondendo questões específicas sobre o tema ‘Sucessão na Família Agrícola’”, explica Hana Witt, pesquisadora e coordenadora dos trabalhos. No recorte rural da pesquisa (que foi também amplamente realizada na área urbana), o objetivo foi observar como as famílias tratam o processo sucessório, levando-se em conta a metodologia de ensino da Efaserra.

Dados gerais das agricultoras entrevistadas apontaram que 78% delas trabalham com seus maridos e 89% das propriedades rurais é comandada pela família. O cultivo de uva, frutas cítricas e a produção de vinho estão entre as principais atividades. De acordo com os resultados, todas as mães ouvidas orientam a carreira dos filhos, e 66% delas têm filhos que pretendem permanecer nas propriedades. Isso significa que estas famílias terão sucessores para continuarem seu legado, observa a pesquisadora. “A partir dos projetos do curso técnico da escola, meu filho começou a se interessar mais pela nossa atividade”, relata Eliane Comin De Bastiani, 43 anos, produtora rural de Nova Roma do Sul, participante do levantamento. “Um dos trabalhos realizados por ele foi a montagem de uma maquete da nossa propriedade. Essa atividade o levou a ter outra visão de tudo o que nos cerca. Ele conheceu mais sobre as nossas terras, estudou o relevo, a vegetação, o que é possível ou não cultivar. Nós também passamos a avaliar e entender de forma diferente a nossa propriedade. O aprendizado dele ajudou toda a família”, conta Eliane.

Ao priorizar a valorização da agricultura e da sucessão familiar, a escola busca alternativas de desenvolvimento do meio, promovendo a qualificação profissional concreta e eficaz do jovem da área rural e incentivando o (re)conhecimento de sua propriedade e da comunidade que sua família integra. Algumas mães relatam que os filhos trazem assuntos financeiros que aprenderam na escola para casa e, conversando com os pais, discutem a melhor forma de investir no negócio (em 78% dos casos, as mães conversam sobre o futuro da propriedade com seus filhos e 89% delas falam sobre os recursos financeiros).

A pesquisadora destaca que a escola influencia não somente os filhos, mas o sistema familiar inteiro. “Há compartilhamento de informações e tomada de decisões em conjunto entre pais e filhos”. De acordo com Hana, os resultados do estudo validam a missão que a Efaserra está buscando realizar junto às famílias rurais e convida à reflexão: na zona urbana, temos escolas preocupadas em contribuir com a permanência dos jovens na sucessão das empresas familiares? “Não havendo essa contribuição por parte das escolas, a responsabilidade de continuidade da gestão familiar nos negócios recai totalmente sobre a família, em especial sobre as mães”, ressalta.

Herança e Sucessão na Família De Bastiani

Falar na perpetuação de uma empresa é falar na preservação da história de uma família. Ao manter um casarão do final do século XIX como atrativo turístico, o estilo de vida herdado dos antepassados vem se transformando, cada vez mais, em negócio para a família De Bastiani, de Nova Roma do Sul. “Trabalhamos em família, reforçando os laços com a comunidade ao nosso redor e com o município, que também vai crescendo. Todos ganham”, reflete Eliane Comin De Bastiani, uma das entrevistadas da pesquisa do IDEF.

Ao lado do marido, a agricultora administra a propriedade rural, que tem parte de seus hectares de parreirais herdada dos pais, ainda parceiros nas tarefas da colônia. A continuidade desse trabalho está sendo assegurada pelo filho mais velho, Érico Vinícius, de 17 anos, aluno do Ensino Médio e do Curso Técnico em Agropecuária da Efaserra. O atual desafio dele, segundo a mãe, é viabilizar uma pousada rural junto à propriedade, tarefa idealizada como trabalho de conclusão do curso.

A família já recebe turistas há um ano e meio por meio do projeto Vivere. A cada final de semana, principalmente na época da safra de uva, cerca de 40 visitantes conhecem a propriedade, onde têm a experiência de colher uvas debaixo dos parreirais, além de provar delícias do cardápio típico italiano e levar para casa produtos coloniais preparados pela família. O Vivere teve a contribuição efetiva do filho de Eliane a partir dos trabalhos escolares que fazem parte do currículo, quando ele passou a ter mais interesse pelo negócio familiar. O que mais chama atenção no relato da mãe, diz Hana Witt, é o orgulho de ver o filho fazendo parte de tudo o que os avós e pais têm construído.

O Projeto Pedagógico da Escola

Considerada uma referência no ensino voltado à realidade dos jovens que moram no interior, a Efaserra foi criada há cinco anos em Garibaldi, mas, desde 2015, funciona na localidade da Terceira Légua, em Caxias do Sul, onde atualmente estudam 79 jovens que residem em 16 municípios da região. A escola utiliza a Pedagogia da Alternância, uma metodologia que se preocupa em manter o vínculo do jovem com a propriedade da família. Os alunos permanecem uma semana na escola e outra na sua propriedade. Na sessão escolar, os filhos de agricultores dividem suas experiências e vivências. Na sessão familiar, eles aplicam as práticas agropecuárias sugeridas pela escola nas suas propriedades com vistas a desenvolver um projeto profissional de intervenção viável no ambiente em que trabalham.

A monitora da área de Linguagens e Coordenadora Pedagógica, Letícia Trentin, diz que a instituição está comprometida em incentivar a sucessão rural, dando continuidade às propriedades com os jovens agricultores. Segundo ela, 90% dos alunos, depois de concluído o ensino, permanecem com a família, trabalhando no interior. “A escola desenvolve uma formação integral, emancipadora, baseada no desenvolvimento do meio para que os jovens se tornem protagonistas de suas realidades, conhecendo-as e dando resposta às demandas numa perspectiva sustentável. A partir desse contexto, buscam maneiras de melhorar o local em que vivem, suas condições de vida e de trabalho”, acrescenta.

Reportagem: Gabriela Marcon | Edição: Caroline Pierosan
Texto originalmente publicado na Revista Noi

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